Barulho de criança batendo a cabeça ecoa dentro de um apartamento inteiro.
Ao barulho segue a constatação:
Bota sentado!
Não deixa dormir!
A reação da criança é um espelho da nossa. Quando dói mesmo não tem jeito, é choro na certa. Mas quando o que acontece é mais um susto pelo tombo, dá pra perceber que nos segundos seguintes o silêncio se transforma em esporro dependendo da reação do adulto responsável. E sem esquecer, claro, que se o bebê já estava enjoadinho antes, com sono por exemplo, qualquer pena de travesseiro que encosta no joelho já vira motivo de um choro que só se justificaria com uma fratura exposta na perna.
E é isso aí. Bebês caem. Acidentes são inevitáveis (é claro que tomamos todas as medidas preventivas importantes pra que nada grave demais aconteça, grade nas janelas, protetores na tomada e assim vai).
Mas como faz com aquele sentimento de culpa quando sangra, corta um pouquinho mais fundo, queima, quebra, ou qualquer outra ferida que ultrapasse o raladinho ou hematoma que não altera muito o formatinho perfeito daquela pele acetinada?
Filosofia de mãe de menino:
Machucado dói. Você já ralou o joelho depois de
E aí você pensa - sangue tem que lavar. Lavar ferida aberta arde. Passar anti-séptico bom arde. Arder dói, puxar band-aid dói, tirar caquinho de vidro do pé dói, levar ponto dói, levar injeção dói, fazer curativo dói.
Menino corre. Menino pula. Menino quebra janela de vidro. Menino escala até parede lisa. Menino some num piscar de olhos. Menino trepa no galho mais alto. Menino se joga. Menino não chuta, bica.
Logo, menino = dor.
Sendo a matemática uma ciência super exata, nós como mães meninas que somos, vamos pegar toda a testosterona que viveu no nosso ventre, vamos deposita-la junto com a certeza de Aristóteles na lógica matemática, e vamos abolir a cara de nojinho das nossas vidas.
Neném caiu? Ao invés de fazer carão de desespero e mini vômito quando olhar pro vermelho incandescente que escorre do machucado,
- dá colo.
- analisa o local para ver se houve alguma lesão.
- tá roxo bota gelo.
- ralou, lava com água corrente e aplica um anti-séptico pra limpar e evitar inflamações.
- foi mais sério e não sabe o que fazer? Liga pra pediatra.
- só leve em emergências se for mesmo uma emergência.
E é claro que você pode sempre optar por não conseguir mudar sua histeria e/ou fobia à sangue, e fazer a linha machucado é com o papai, se tiver um papai tempo integral na família. Se não, a gente vira macho, e consegue passar com tranquilidade pelos acidentes da vida. Consegue não influenciar nosso filho com nossas caras de dó e deixa ele decidir se o spray arde ou não, sem antecipar nenhum sofrimento com aquele: filho vai doer - tssssss!
Mas, e a culpa?
Quando você tropeçou na rua porque correu tão afobada na tentativa de não perder o ônibus que nem se preocupou em perder o equilíbrio, a culpa foi inteirinha sua. Você não tava contando com a mão da mamãe ou do papai, porque já faz tempo que a soltou e sabe muito bem limpar seu próprio machucado.
Quando a criança é mais velha, e já tem um domínio maior sobre as decisões que envolvem aonde meter ou não o próprio narizinho, ela ainda te procura quando a ferida é externa, e você a acolhe como se fosse um bebê reforçando que temos que ser cautelosos e que a dor vai passar.
Agora, quando seu filho ainda é muito dependente de você, precisa da sua mão pra não desequilibrar e do seu colo pra ir mais longe, se o corte é nele, é o seu coração que sangra.
Sempre dói ver seu filhote sofrendo, mas quando a dor se associa à culpa, ela devasta o interior da mãe que você é. E quando aquele pinguinho de gente que mal sabe andar cai, é porque a gente deu mole mesmo, e sempre tem espaço pro e se. E se eu não tivesse ido pegar outra colher, e se eu não tivesse soltado a mãozinha, e se eu não tivesse ido ali rapidinho desligar o fogo, e se eu não tivesse deixado ele subir sozinho..? Ele com certeza não cairia, mas, quando ele ia começar a ser?
A noção de eu começa a ser criada lá pelos 8, 9 meses. E vai se desenvolvendo até os 2 anos, quando o bebê consegue se perceber como um indivíduo único, uma pessoa diferente da mãe. E é importantíssimo que nós saibamos ajuda-lo nessa fase, deixando que ele ande os próprios passos, ou seja, deixando que ele caia sim, mas sempre sem soltar a mão, aquela que não se vê, que dá o amparo que eles precisam quando se machucam, dentro ou fora. E a culpa?
Ela não é de ninguém. Ela vai gritar no seu ouvido até que você a assuma, ela é órfã procurando desesperadamente por um dono nessas situações de vulnerabilidade. E vai te fazer menor, vai te embrulhar e dar nó no interior todinho, mas a gente tenta não ouvir, quando ela vier, devolva-a ao nada, esmague-a toda, e nem comece a discutir por causa dela. Ver um filho machucado dói, mas a cicatriz interna que guarda um adulto inseguro e/ou super(des)protegido que não conseguiu ser sem o seio materno é muito mais aparente do que as da superfície de fora da pele.
E a memória pode armazenar os tombos todos, mas ela também guarda junto, na gaveta ao lado, aquele carinho de mãe que fez sarar a ferida.
Porque carinho de mãe cura, pra vida toda.
Nem me fale da culpa Karlinha, ela nos parte o coração, a cada dia que passa temos mais certeza de que não podemos piscar, eles aprontam, a gente nunca espera, mas eles sempre aprontam. Amei o post. Bjs
ResponderExcluireles sempre muito mais vivos que nós! obrigada querida
ExcluirQue texto lindoo! Parabéns!!
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