terça-feira, 31 de julho de 2012

pra você eu digo sim, sempre.

G e n t i l e z a



e podia parar por aí.
porque que Gentileza gera Gentileza, o Gentileza já fez questão de avisar aos desavisados.
mas é a Gentileza que parou de gerar Gentileza, ou é a falta de Gentileza que impede de rodar esse ciclo tão .. gentil? 
se ninguém cultiva a prática, ela fica extinta. feito vários animais de nossa fauna, feito espaço verde em área urbana, feito tantas tradições que não cabem mais nessa contemporaneidade transviada.
Gentileza virou artigo raro, e mesmo assim, parece ainda não ter valor nesse nosso mercado.
mas sei, mesmo que pra poucos, que ainda brilha mais que ouro. só por isso não perdi as esperanças.
só por isso conto pra vocês o que é que nossa amiga, essa que tá sempre fazendo carinho nos corações de todos nós, tem a ver com a maternidade: tudo.
porque maternidade é vida, vida é amor, e amor quando não é gentil, não é.
porque maternidade é amor, amor é vida, e vida quando não é gentil, amarga.

na pracinha tem um cercado para os bebês. de vez em quando o davi vai lá. deve ter uns cinco, seis anos.
a avó do davi não entra pela portinhola. fica em pé do lado de fora, com sua estatura mínima, seus óculos escuros maxi, e seu cabelo curtinho pintado quase feio.
quando o davi faz besteira - ele faz sempre malcriações com cara feia de criança que esconde aquele apelo desesperado por um pouquinho de atenção da mãe pai avó ou avô - a avó do davi não faz a Gentileza de entrar naquele espaço dele, não faz a Gentileza de participar do mundinho que ele criou mesmo que para desensinar aquele invencionismo torto de quem só quer atenção, ela não faz a Gentileza de estender-lhe sua mão. a avó do davi não mexe um músculo que não o da boca, para gritar num tom alto demais daviii, tantas vezes quanto acharem necessário seus ouvidos semi surdos (dedução lógica, pois quem tanto grita acaba ensurdecendo). o davi aproveita, ao menos ela o está chamando, e não vai.
eu contava uma história protagonizada pelo meu menino, que nada tem no nome de davi. mas o daviiiii ecoou tanto em nossos ouvidos, que sem Gentileza alguma, impregnou o ar da pracinha, e não é que troquei feito vó que confunde o nome dos netos com o dos filhos e até o do cachorro o nome do meu filho pelo nome do davi?


na rua, atravessando com o carrinho, andava ao lado de uma senhora que dava as mãos para o netinho.
esse não sei o nome, mas quase que as entranhas o chamam de davi.
ele deve ter percebido o cachorrinho que passava, pois foi quando as quatro patinhas quase encostaram o pézinho que as mãozinhas começaram a puxar a mão enrugada da avó: vó, vó, vó, vovó, vó, vó... 
ela conversava com uma colega de bairro, e estava ignorando o apelo do neto, que quanto mais percebia o cachorro se afastando, mais rápido puxava a mão que sua vó o dava, quase que por obrigação de quem cresceu escutando que criança não pode atravessar a rua só. ele não queria que a avó perdesse aquele evento. e continuou um pouco mais: vó, vó, vpéraííí meniiiinoooo, não tá vendo que eu to conversaaando??!! num grito mais repentino que cocô de pombo na cabeça, que fez todo mundo que ainda não tinha visto, ver.
dei quase um pulo, do susto que tomei. afinal, ninguém espera um grito ao atravessar uma rua. é até perigoso. uma falta de Gentileza com todos os pedestres.

a avó do davi, e a avó do menino que se encantou pelo cão, deviam já estar cansadas.
criança exige muito, é um dispêndio enorme de energia, que dói mais quando a idade pesa.
a avó do davi e a avó do menino que se encantou pelo cão, deviam já estar cansadas.
ouvir qualquer um chamar seu nome repetidamente, mesmo que num sussurro, irrita.
ter que dizer pela milésima vez que aquele gesto repetido não é aceitável, irrita.
mas ter que conviver com um adulto que tem um coração que não sabe ser gentil, dói.
é feito palavra de madeira que bate sempre dura lá dentro de quem a recebe.
a falta de Gentileza enrijece o único tônus muscular que deve mesmo ser amolecido com o tempo, o mundo fica todo mais cinza, a mentira faz caminho e dá as mãos ao amor, e ajuda a formar famílias despreparadas pra ensinar o carinho e o respeito. o fruto que nasce do ventre de novos tipos de estrutura familiar muitas vezes sofre com a falta. e não podemos culpar o despreparo.
ninguém está preparado pra ser pai ou mãe até ser. então a falta de preparo por si só não justifica a falta na educação. falta de paciência, falta de amor, falta de carinho, falta de respeito, falta de cuidado com uma relação que está nascendo, falta de desejo de compartilhar, ouvir, ensinar, aprender, falta de dedicação, falta de compreensão, falta de saber falar, falta de educação.
isso não vem do despreparo.
vem da falta de Gentileza.
a gente vira mãe, mas continua culpando a nossa por algumas faltas aqui dentro.
mas com a clareza de quem entende que a culpa não é da pessoa mãe, e sim da estrutura familiar que ela e seu companheiro nosso pai foram capazes de criar para nos criar. e que dentro dessa estrutura as falhas são super bem-vindas. elas ensinam. elas aproximam. elas aprimoram.
o problema é quando quem virou mãe carrega no seio materno as lembranças de um lar onde a Gentileza não morava. a falta dela se tornou tão normal que não é fácil perceber a dor que sua ausência traz.
a gente se acostumou com o grito como se fosse o novo falar da família moderna.
a gente adotou o insulto até nas relações mais fraternais.
briga de casal só na modalidade levantamento de voz, e os incomodados que se mudem. mas e quando os incomodados são os filhos? ah. esquecemos que provavelmente se os pais levam os desentendimentos aos berros e bateções de porta, os filhos já até se acostumaram e aprenderam a imitar o tom do dissabor.
aprenderam a imitar com certeza, se acostumaram talvez, mas definitivamente não aprovam e criam um nó na parte de dentro que é difícil de desatar com o tempo, é feito criança que decorou uma tabuada deturpada. e quando crescem, acabam perpetuando essa falta. a de Gentileza.

e é difícil mesmo fazer diferente, quando já se sabe de cor. o que a família ensina a gente aprende assim, de coração. e o que se sabe de coração é pra sempre.
pra mudar é preciso coragem, paciência, disposição, vontade. mas o essencial, amor, o filho já traz. então o resto acaba ficando mais fácil. mesmo sendo ainda uma das coisas mais difíceis, aprender tudo de novo, diferente, quando já estamos crescidos, com coração grande.
então, é melhor quando já aprendemos de coração pequeno a colocar a Gentileza no cotidiano, no sorriso, nas entranhas. pra que ela apareça em cada atitude nossa, mesmo nas horas de firmeza.
pra que saibamos discutir sem levantar a voz, pra que saibamos ensinar sem bater, pra que saibamos ser pais com respeito, pra que saibamos criar nossos filhos pra serem adultos felizes.
porque a falta de Gentileza faz faltar felicidade.
é feito inseticida que espalha com o vento.
feito bueiro entupido que não deixa escoar a água da tempestade, que ao invés de passar, transborda, e com o tempo, acaba alagando o lar de uma família inteira.

G e n t i l e z a.

sim.




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